quarta-feira, 16 de setembro de 2015

FRANÇA - NAVEGANDO DE PENICHETTE PELOS CANAIS DE BRIARE.


Bem, depois de um longo e tenebroso inverno, voltamos para mais uma postagem. Desta vez vou contar a aventura dos velhinhos no interior da França, num passeio que eu hiper super recomendo para quem gosta de misturar aventura com tranquilidade, em doses controladas assim como meu remédio para a artrose!
Nas minhas sapeadas pelos blogs de viagem da vida, descobri que se pode cruzar a França praticamente de norte a sul, de leste a oeste, por uma vasta rede de canais...e se vc realmente AMAR viver numa casa barco, pode fazer isso sem ter sequer que colocar os pés em terra.
Optamos por colocar, posto que viver num barco, só mesmo o Marinheiro Popay aguenta!
Mas vamos ao roteiro!
Das poucas empresas que oferecem o aluguel do barco-casa, graciosamente chamado de PENICHETTE, (uma palavra que não existe em outra lingua e significa apenas o diminuitivo de Peniche, aquelas grandes embarcações comerciais que cruzam os canais europeus), optamos pela Nicols, que atua na França, Alemanha e Portugal. Veja mais no site http://www.turismo-fluvial-nicols.es.

Como estavamos em Paris ha 15 dias e iríamos fazer um tour pelos Castelos do Loire, resolvemos fazer o passeio saindo de Rogny, le Septe Ecluses, que fica há apenas 2 horas de Paris. Todas as reservas foram feitas pelo site da Nicols,, que além disso disponibiliza um mapa, revistas e vários detalhes da viagem, tudo por email e ainda mandam por correio num encadernação de luxo! Morri com esses Franceses!!!


Saimos cedinho de Paris, num trem da estação Bercy e levou 1 hora e meia até a pequena e charmosa Briare.
De lá, pegamos um taxi com uma portuguesa super querida, que nos deixou na Sede da Nicols, em Rogny, há uns 30 minutos de distancia.
E não, não tem como ir direto de trem até Rogny...sinto muito!

Como sou uma psicótica de carteirinha, já havia deixado reservado o traslado antes de sair do Brasil. mas se você tiver paciencia e um frances afiadíssimo, pode pegar um taxi na própria estação de trem, mas é necessário pedir para o funcionário da estação ligar.
Demora uns 20 minutos, mas eles te atendem na boa!





Chegando em Rogny demos uma volta pela cidade 15 minutos a pé e fomos direto ao mercado antes de começar a aventura, afinal saco vazio não para em pé!
Conselho: se você tiver espírito de aventura, uma mochila gigante e força nos braços e pernas, melhor trazer as compras de Paris ou de Orleans ( 100 km distante), pois o mercado de Rogny é minúsculo como a cidade.




Passeios e compras feitas (achei um vinho de maça maravilhoso, mas não lembro o nome), fotos tiradas e lá fomos nós para vistoriar nosso barco.
O Cais fica bem no centro da cidade e abriga uma mini frota de tamanhos variados.
Ficamos com um penichette pequeno, com sala, quarto, cozinha e banheiro minusculo, afinal estavamos sozinhos.
Mas existem barcos que abrigam até 8 pessoas...quase um Titanic!




O Canal de Briare, tem 54 km de comprimento e liga Buges a Briare, passando por 32 eclusas.
As mais impressionantes são as de Rogny, le Sept Ecluses, que tem uma série de 7 eclusas justapostas, como uma escada, que levava os barcos de um nível ao outro.
Era uma proeza na época e até hoje é classificada como monumento histórico. É de impressionar mesmo!




Como a placa ao lado mostra, foi construída por Henry IV em março de 1.638 e abriu sua navegação em 1.642.
Funcionou até 1.887, por 245 anos ininterruptos!
Como na volta passaríamos a ultima noite em Rogny, deixamos para explorar as eclusas e o resto da cidade para este dia!
















Barco escolhido e lá fomos nós.
Partiu roteiro de 164 km, passando por 50 eclusas (ida e volta) em 7 dias!
Nosso roteiro incluia Rogny, passando por Briare, Chântillon-sur-lore, Beauliveu-sur-loire, Sancerre e depois o inverso!
Mapa em mãos, calculamos a rota: 164 km em 7dias significavam quase 24 km por dia! Como o barco alcança a incrível velocidade de 20 km por hora, teríamos que navegar no mínimo 2 horas por dia para fazermos o percurso completo.



Rota calculada, compras a bordo, bicicletas alugadas, barco inspecionado veio a parte engraçada: a instrução de pilotagem. Em FRANCÊS!!!
Não meus caros, não pensem que o inglês ajuda na terra do croiassant! Se em Paris eles já não falam, imagine no interior????
Morri até 2075 vendo a menina explicando para meu marido (que NAO entendia nada) como pilotar o barco! Simplesmente hilário....Rs!!!



Mas, KEEP CALM e improvise! Na verdade o barco só tem duas marchas: pra frente e ré!
Acelera e foca na lateral do canal que vai dar tudo certo...
Até eu aprendi como fazer!











Finalmente o sabor de navegar! Me aboletei na proa do barco e relaxei, afinal nada poderia dar errado, certo?
ERRADO!!!
Logo na saída nos enroscamos na beira do canal e quase perdemos uma das boias laterais de proteção...como eu havia lido AS LETRINHAS MIUDAS do contrato, sabia que cada boia perdida custaria cem EUROS, praticamente me joguei na agua pra resgatar a bruta! Sufoco inicial....


Boa recolhida, me enxuguei e providenciei amarras para as magrelas, que se perdidas custariam TREZENTOS EUROS cada!!!!
Cada item do barco tem um preço exorbitante, o que te leva a ser a criatura mais cuidadosa do planeta!







 
Passado o susto imaginei que iria desfrutar o passeio... Mas como diria meu pai, alegria de pobre dura pouco!
Em menos de 15 minutos chegamos à primeira eclusa...sem sequer imaginar o que deveríamos fazer!
Bateu o desespero!!!
Lá do alto o ecluser (funcionário e morador da eclusa) pediu que eu jogasse as duas cordas do barco, a da frente e de trás, para ele passar ela pelas amarras de segurança...lá veio ele com um gancho enorme para que eu enrolasse a corda. Até eu entender o que ele falava, o barco ralou na lateral da eclusa, arrancando gemidos do William, que só conseguia pensar se o seguro cobriria o desastre!
Passado o perrengue, aprendemos a nos posicionar nos locais certos para a manobra. Contrariando o ditado, papagaio velho TAMBÉM aprende a falar! Demora, mas aprende!!!!
Na verdade as cordas não são amarradas, caso contrario o barco viraria. Elas são apenas passadas por um tipo de baluarte, que ajuda a compensar o balanço enquanto a água entra ou sai da eclusa.
Desse modo se passa de um nivel mais alto para o mais baixo e vice versa.







Acompanhados por uma encantadora caroneira e vencida a primeira eclusa, nos preparamos para os próximas 20 km de navegação até chegarmos a Briare, para passarmos a primeira noite.
Parece moleza não? ERRADO!
Descobrimos que entre Rogny e Briare, haviam DEZOITO eclusas!

Vendo os outros barcos atracados e o pessoal já tomando vinho, apreciando a vista fantástica eu quase desejei abandonar o projeto e ficar no meio do caminho....mas as eclusas nos esperavam!
Resignada e ofegante, recalculei a rota e descobri, para meu desespero e gargalhadas do marido, que teríamos que navegar o resto do dia se pretendessemos atracar em Briare antes das eclusas fecharem!



Movidos pela aventura, fome e paura de passar a noite sozinhos no canal, aceleramos o máximo o motor do nosso penichette...quase voando e a inacreditáveis 20 km por hora, corremos contra o tempo para chegarmos à primeira base!









 Ao fim de meia duzia de eclusas, as pernas doiam, as costas idem e as mãos estavam esfoladas vivas por não ter usado as luvas que DEPOIS encontrei no barco...maldição!
Lá vou eu ter que gastar em creme pra amaciar esses cascos agora... 








Enfim, quem entra na chuva é pra se molhar...ou melhor, quem entra no canal tem que ser virar!
Mas apesar de tanto sobe e desce, a vista é de tirar o folego!
Juro que ao chegar na eclusa numero 10 quase soltei foguetes para comemorar!


 Ao fim do dia, poucos minutos antes das eclusas fecharem finalmente chegamos na última, depois de QUATRO horas, muitas risadas e nenhuma taça de vinho!
Injuriada e sedenta, dei uma ultima olhada para o ecluser e me preparei para dormir ali mesmo no convés!
Meu marido me arrastou para dentro do barco e atracou sozinho...fingi que havia desmaiado!





Barco atracado, milagrosamente me recuperei do desmaio! Principalmente ao ver que havia um restaurante...essa noite nada de vinho, queijo e baguete!
Vamos comer comida de verdade...rs! 









Vista geral da marina em Briare. A infraestrutura é maravilhosa... dispõe de banheiros com agua quente, tomadas de luz e abastecimento de água e diesel para os barcos. Tudo isso absolutamente de grátis!!!! Menos o diesel, claro!
Nessa hora decidi morar na França! Depois de um jantar fantástico, caminha porque amanha vamos explorar a cidade!


Logo cedo começamos o passeio pelo lugar mais lindo, claro: A Pont Canal!
Vale lembrar que essa obra de arte maravilhosa foi construida por Gustave  Eiffel. Sim, o mesmo da torre!
Inaugurada em 1.896 permite que se atravesse sobre o canal lateral a 662 metros acima do rio.







É uma magnifica estrutura metálica de 662 metros de comprimento ( coincidencia ou não, a mesma medida da altura até o rio lá em baixo....medo!!!) por 11 metros de largura, fortemente sustentada por 15 pilares.










 As pilastras laterais, ao estilo do final do século XIX, são ornamentadas com 72 lanternas, que são acesas ao entardecer, criando um espetáculo único!
Sua magestade atrai cerca de 300 mil visitantes todos os anos.


Uma ponte, claro, passa por cima de algo! Mas uma ponte rio, que passa sobre outro rio é inédito! Rs...
Sobre ela os barcos atravessam o Rio Loire e os canais paralelos, como num viaduto de água!
Foi a primeira ponte canal construída no mundo e por muito tempo a mais longa.

Conversando com um morador da região descobrimos que na segunda guerra, para evitar o avanço das tropas alemãs os franceses resolveram derrubar a ponte.
Como a comoção foi geral, dinamitaram cirurgicamente as duas extremidades apenas, deixando o centro intacto!
Depois da guerra ela foi reconstruida, para felicidade dos franceses e minha, claro!

 A vista lateral mostra os afluentes do Rio Loire.
 É muito engraçado ver um rio que passa sobre outro rio...to pasma ate hoje!














 Depois de namorar muito a Pont Canal, resolvemos descer e ver a dita cuja por baixo.
Qual não foi nossa surpresa ao nos depararmos com uma placa anunciando as "Alpacas de Madame Dupont"....
Não resisti! Alpacas na França? Fala sério!
Fomos até lá, camelando e gastando as pernas no pedal da bike só para tirar essa história a limpo...





 E não é que tinha alpacas mesmo? Madame Dupont, uma velhinha muito simpática, nos recebeu e nos levou a conhecer suas "filhas", que ela inescrupulosamente aluga para festas quase uma cafetina de alpacas.
Não me perguntem o que diabos alguem faz com uma alpaca numa festa, visto que esses bichos são terrivelmente mal educados!






A última vez que cheguei perto de uma, no Chile, a famigerada meteu uma cusparada na minha cara que eu levei uma hora pra limpar a lambança!!!
Imaginei as criaturas numa festa cheia de criancinhas agarrando as poveretas e elas cuspindo, escarrando e esperneando...deprimente!


Juro que a imagem da festa me arrancou gargalhadas, que nem meu marido, nem Madame Dupont e muito menos suas filhas lanosas conseguiram entender!












Hora do almoço e lá fomos nós para o centro da cidade, conhecer o que?
IGREJAS!
Meu marido quase arrancou os ultimos fios (laterais) de cabelo quando eu disse que queria visitar!
Tadinho....sabe nada inocente!
Terminando esse passeio vamos visitar os Castelos do Vale do Loire!!!


 



Fim de tarde, de volta ao lar!
Engraçado como a gente acaba chamando de lar qualquer quarto de hotel, qualquer barco ou qualquer trem quando estamos viajando!
Mas lá fomos nós, para um merecido descanso depois de pedalar um dia inteiro! 








Nestas águas tão serenas, lá está o meu amor....não é uma chalana, mas certamente me lembrou as águas do pantanal!














É difícil dormir diante de uma paisagem dessas...mas, vamos nos jogar nos braços de morfeu porque amanhã novas eclusas nos esperam.
Depois que eu refiz meus cálculos, descobri que contando o tempo de passar as eclusas, aumenta a navegação em duas horas por dia!
Mais paisagens bucólicas nos esperam! 





Oito horas da manhã e as eclussas são abertas, permitindo reiniciar a navagação!
Vale a pena pensar nesse detalhe e incluir no cálculo da rota: as eclusas abrem as 8:00 hrs, fecham ao meio dia, reabrem as 14:00 e encerram as atividades as 18:00 hrs pontualmente!
E não adianta espernear, pois uma vez fechada, nem mágica abre!




 

Finalmente iríamos cruzar a Pont Canal navegando...juro que no começo tive um certo medo, pois ela parece ser bem estreita!
Mas o meu capitão estava firme na boléia!!!
Passamos calmamente, apreciando a magia do momento...








Adeus Briare...ou melhor, até a volta, pois no retorno fatalmente teremos que passar por aqui de novo!














Impossivel falar das eclusas sem falar dos eclusers, suas casas e seus cachorros!
Em cada eclusa, que é também a residência do ecluser (o tiozinho que joga a corda) há uma disputa para ver qual é mais limpa e bonita!
E praticamente todos tem um cão, seu fiel companheiro e amigo... 






As casas barco, onde vivem pessoas de verdade! São uma fofura só...















Tudo bem, a velocidade do barco pode não passar de 20 km, mas o prazer de aproveitar o tempo com clama, apreciar o visual e chegar nos inumeros vilarejos sonolentos, vale a pena!











Essa casa me despertou a fantasia! Fiquei imaginando uma casa mal assombrada, repleta de fantasmas do passado...rs!













Como eu disse, as casas das eclusas são lindas!
















Cada uma com seu encanto! E todas elas tem um nome...
















Varias fazendas ao longo do canal, com seus animais tranquilamente aproveitando o verde, a vida e o sol do verão!














Barcos que se cruzam, com familias a desfrutar a paisagem e os dias quentes... 














Os velhinhos tranquilamente pescando às margens do canal, como se o tempo não fosse de nenhuma importancia....e me pergunto: será que é importante afinal???












Com suas paisagens bucólicas, passeios repousantes à margem do canal, a vida vai passando devagar.
Até esse viadinho sem trocadilho infames, por favor curte seu dia de sol e calor!











Mais eclusas....e mais força nos braços!















Cruzando barcos e mais barcos...
















Só não sabia que poderiamos levar uma moto em vez de bike!
Maldita idiotice....teria me poupado muitas pedaladas.














E assim, de eclusa em eclusa chegamos ao proximo destino: Beleville Sur Lor!














Dessa vez não adiantou eu fingir que havia desmaiado...fui obrigada a ajudar na atracação do barco. 













 Como ainda era cedo, lá se vai a véia e sua bicicletinha...















Quem disse que por aqui não tem cavalo...rs!
















Tá certo que as pernas reclamam, mas cada vez que tiramos a bike pra passear nos deparamos com uma visão mágica!













Já não basta eclusa o dia todo???














 
 Parada estratégica para o café!
Apreciando nossa "casa" a beira do canal!















 Fim de tarde a terra cora e a gente chora porque finda a tarde...no caso, sem lagrimas!
Só champagnhe e felicidade!





















 Quando a terra reflete o mar...ou as águas do canal, vem a noite e a lua mansa faz a gente dançar venerando a lua!














Beijinho no ombro? Não amigos, beijinho na taça...rs!!!!!
Aqui se começa o dia com uma boa taça de vinho, um croiassant quentinho e muita vontade de ver a vida passar!











Estas são as cerejas da discórdia!
Vou contar a história: voltando dos pedaladas do dia vi uma cerejeira linda, repleta de frutas dando sopa à beira do canal..











Sem perda de tempo, me atraquei com a árvore, comendo e colhendo as frutinhas como se não houvesse amanha...no meio da "colheita" o DONO da árvore apareceu e me deu uma baita bronca (em frances...chique isso!) e me mandou catar latinha!
Perdi o rumo do barco!!!! Rs...








Desenchavida, mas com a barriga cheia de cerejas docinhas, voltei pro barco e zarpamos de volta a nossa vida de ciganos fluviais! 












Lá vamos nós para a saga eclusas de novo!















Seis dias depois, cá estamos volta onde tudo começou: Rogny le Sept Ecluses, com suas ruas medievais e cheias de encanto!













 As eclusasas do alto....
O antigo leito do canal, que alimentava as 7 eclusas.














 
Nessa casinha, além de flores, gatos e um delicioso café, comi o melhor croiassand de chocolate da minha vida!!! A senhora, dona da casa, é uma fofa em pessoa. Só não quis tirar fotos!











 Pessoal que faz o mesmo trajeto, só que TODO O PERCURSO de bike!
Haja pernas....rs!













E assim foi a semana, sem grandes novidades, sem nenhum estress, sem nenhum museu para visitar, mas feliz da vida!!!













Mal chegou ao fim e já sinto saudades!
 

E assim se acaba mais uma aventura do casal de velhinhos que não cansa de se encantar com a vida!!!
Amanhã, rumo aos castelos...mas isso, como vocês já sabem, fica paraum outro dia!!!